"Eu te segurei forte contra mim
Você escorregou pelos meus braços
Você prometeu que voltaria para mim
E eu acreditei"
Não sei se foi mesmo. Talvez tenha ido a outro lugar, ou a
lugar algum, mas o que sei decerto é que não voltou. Um “já volto” prosaico
saiu de sua boca antes de sair por aquela porta e assassinar um pedaço de mim,
por bem ou por mal, por querer ou não. Morreu. Ao contrário de você.
Ou será que você morreu? Não sei. Talvez tenha sido
atropelado no cruzamento ali da esquina, ou então se perdeu do caminho de casa
e caiu na areia movediça lá onde Judas perdeu as botas. Quando eu era criança,
imaginava que, quando alguém caía na areia movediça, ia parar em outro mundo.
Talvez isso tenha acontecido contigo: foi parar em outro mundo; talvez aquele mundo
em que existíamos nós dois e nada mais, lembra? Aquele mundo em que éramos “felizes”,
com aspas não tão literais quanto possam parecer. Acho que nosso ideal de
felicidade era romântico demais.
Mas você disse que ia comprar cigarros. Sentado à mesa do
café, lendo meu jornal com óculos que me pesam o cenho, fumando o mesmo cigarro
que você costumava fumar quando ainda existia nesta casa que já não é mais um lar, eu espero que você
volte com qualquer desculpa esfarrapada
— No bar do Zé tinha acabado, precisei ir buscar lá no outro
lado do universo, por isso demorei.
e que eu sorria um sorriso de canto e procure alguma verdade
em seus olhos; e que eu tente e consiga dar conta do que perdemos durante a sua
viagem; e que eu não desperdice mais nenhuma manhã cinzenta de domingo escrevendo
linhas tortas sobre a sua ausência.
Talvez agora eu entenda melhor as famílias das vítimas da
ditadura. Talvez a mão da Morte seja mais cortês do que a da Dúvida na hora de
tocar-me o ombro amigavelmente.
Nenhum comentário :
Postar um comentário
Seja gentil. Palavra feia não se diz.