Não sei se expressei com
intensidade suficiente a peleja que tem sido esse livro no
meu último post. Acho que foquei mais em falar do sentimento nebuloso que tenho
por Prazer e Remissão e não dei tanta
atenção à continuação que estou escrevendo. Pois bem, estou escrevendo uma
continuação, O Segundo Amanhecer, pelo
ponto de vista do pai do protagonista de PeR.
A história começa fazendo um longo flash
back pelo ponto de vista dele, depois alcança os eventos da atualidade e segue
a partir daí. O grande problema dessa trama é que, quando eu comecei a
escrevê-la, eu queria dar continuidade à fantasia do Eugênio, dar a ele tudo
que eu achava que ele merecia, mesmo ele merecendo umas coisas bastante inexequíveis
na realidade real da vida real. Eu queria fazê-lo mais feliz do que ele já
tinha sido. Mas, quando comecei o livro, não havia dado tanta atenção ao fato
de que o protagonista dessa segunda narrativa não era ele, era o Álvaro; e o
Álvaro protagonista demandava uma história só dele, em que ele fosse o centro,
não o Eugênio.
Essa foi a raiz de todos os
problemas, porque eu não estava a fim de contar a história de um coroa que se
descobriu bissexual aos cinquenta anos e agora tinha toda uma vida nova pela
frente: eu queria continuar contando a história do Eugênio com o pai, que só
era interessante porque era pai do Eugênio. Fez sentido? Na minha cabeça tá
claro, mas não sei se consigo explicar direito. Mas bem, conforme eu ia
colocando os pés no chão e vendo que as coisas que o Eugênio merecia eram muito
fantasiosas e impraticáveis (quem conhece minha obra™ sabe que eu tenho
compromisso com A Verdade Co. Ltda.), eu fui meio que perdendo o interesse pela
história do Álvaro, que na verdade era a história do Eugênio. Só que quando eu
me dei conta disso eu já tinha 40 mil palavras escritas, e eu não queria me
desfazer dessas 40 mil palavras, porque eu gosto de terminar as coisas que eu
começo.
A partir disso nasceram várias conversas com o Kyran a respeito
de como não deixar essa história morrer, agora não mais porque o Eugênio não
merecia que ela morresse, mas porque eu não
queria que ela morresse. Ah, sim, porque tinha outro problema: como, quando
comecei, eu estava no calor da paixão, eu não sabia exatamente pra onde a história
iria a partir de certo ponto, porque, again, era a história do Eugênio. Mas,
não importava quais eventos eu enfiasse no meio da trama, nada parecia fazer
muito sentido ou ser muito necessário; aquela sensação de “Essa história não
precisa ser contada; esse livro não precisa existir; não vai mudar nada na vida
de ninguém” começou a tomar conta com todas as forças.
Chegamos, eu e Kyran, à conclusão
de que o melhor a fazer era dar um tempo, deixar a história decantar e depois
revisitá-la e encontrar o caminho dela novamente. Só que, pensando bem, fazendo
as contas, este é o momento da
revisita, porque eu tô a passos de tartaruga com esse livro há mais de um ano!
Faz só quatro meses que ele voltou a ser matéria das minhas indagações. Ou seja,
ele teve tempo o bastante pra ficar em cool down aqui na minha mente.
Foi como se não tivesse ficado. Nesses
quatro meses tudo que eu fiz foi pensar e pensar e escrever pouquíssimo e o
máximo que consegui foi delinear os eventos e amarrar o final, que também eram
coisas pouco concretas na minha cabeça. E ainda
assim eu não conseguia encontrar um motivo, uma Inspiração pra seguir em
frente e fazer esse negócio desabrochar de uma vez. Foi então que li o texto do
Kyran e assisti ao vídeo da Jout Jout e agora vou conectar as coisas.
Vou começar pelo texto, linkado
no começo deste post. Nele o Kyran fala sobre isso de dar um tempo e let go e sobre
projetos que nunca mais revisitamos etc. Muitas das coisas sobre as quais
conversamos longamente pelas últimas semanas. Depois veio o vídeo, que é uma reflexão
sobre a atenção que quase nunca estamos dispostos a dar à conversa trivial dos
outros; que se dispor a se engajar nessas conversas triviais pode ser uma
experiência emancipadora.
Esses dois inputs se conectaram
aqui na minha mente de um jeito muito peculiar, que me levou a uma conclusão também
peculiar quando, ontem de madrugada, eu abri o arquivo pra escrever e fui
escrever. E consegui escrever umas 700 palavras sem fazer esforço: foi então
que eu percebi que o que está atando minhas mãos é meu complexo de Cisne Negro, de querer que cada palavra seja
a palavra, le mot juste, pra usar o termo de Flaubert. Foi escrevendo essa
microcena de ontem que eu me dei conta de que estou carregando o fardo da perfeição,
e que a perfeição dá trabalho demais.
Deixe-me ser mais prático. O que
eu quero dizer é que, sempre que acabamos (um eu-majestático aqui talvez seja um
bom disclaimer) uma obra, especialmente um romance, ficamos com a impressão de
que ele foi melhor que o anterior e será inferior ao próximo. Quando escrevi North Bound, sabia que ele tinha sido
melhor que Um fantasma entre nós;
quando acabei Entre o amor e o fogo,
sabia que ele tinha sido melhor que North
Bound; quando acabei Vincent,
sabia que ele tinha sido etc. A tendência é o progresso, é andar pra frente, e
é esse um dos motivos pelos quais os escritores esforçados continuam
escrevendo: pra serem melhores amanhã do que são hoje. Mas o que eu percebi
escrevendo esse início de cena ontem foi: não importa o que eu faça, O Segundo Amanhecer não vai ser melhor que Prazer
e Remissão. Se PeR foi um 8, OSA vai ser no máximo um 7 suave, um 6.5
sólido. E o que eu posso fazer é aceitá-lo do jeito que ele é: imperfeito. O que
está me impedindo de amá-lo é não aceitá-lo imperfeito, inferior, mas não
porque eu me tornei um escritor pior, mas porque a história simplesmente não é
tão interessante; e a única forma de eu seguir em frente com ela é abraçando
como ela é.
Porque ela não é tão boa quanto
outras coisas que já escrevi (especialmente meus contos recentes, dos quais
tenho me orgulhado bastante, diga-se), mas também não é tão ruim que não mereça
publicação. Ela merece publicação, especialmente porque tem uma galera querendo a continuação.
Se todos os meus livros são meus
filhos, eu estava até ontem sendo o pai que projeta em 01 filho seus desejos e
afetos em detrimento do restante da prole. Se
eu tivesse um coração vai ser sempre meu filho favorito, mas não porque eu
ame menos os outros: porque eu tenho mais afinidade com ele. Eu não tenho a mesma
afinidade com O segundo amanhecer, mas
ele continua sendo meu filho tanto quanto, e a mim cabe dar cuidado e terminar
de criá-lo com o mesmo carinho que eu dediquei aos demais, e é isso que eu vou
fazer. Especialmente porque, mesmo que ele não seja meu filho favorito, ele pode ser o favorito de alguém que o adote.
Quem é que sabe?
Se tem um negócio que eu adoro fazer é brincar de incorporar essa persona de escritorzão dos séculos passados e conversar sobre literatura mesmo, como nas cartas e nos clubinhos que você citou. lol E sabe o que mais? Vendo essa sua situação, e outras situações em que eu mesmo estive, acho isso tremendamente necessário. Agora me pergunto os motivos de as pessoas não fazerem mais isso, mas não vou divagar aqui porque, puta merda, já escrevi um parágrafo agora falando NADA.
ResponderExcluirOi, gato, tudo bom? ♥ Eu fico feliz de ver que nossas conversas e até o post despretensioso que eu fiz estejam te ajudando a encontrar meios de pensar sobre a sua própria estória. E eu concordo plenamente com o que você disse de que, na real, você precisa é aceitar a estória como ela é.
Se bem me lembro, no seu post anterior eu até comentei, no final, em outras palavras, que você tava partindo pra um ponto de vista diferente que talvez não fosse tão interessante quanto o jeito todo sonhador do Eugênio. Isso faz mais sentido ainda quando se trata de um protagonista bem mais velho, e que desenvolveu a maior parte de sua personalidade em outra época, que era outra cultura, diferente da do Gegê. Aliás, talvez seja justamente por você ter captado o ponto de vista do Álvaro que você começou a achar o Gegê chato. XD Uma pessoa muito pé no chão vendo a outra fazer maluquices por viver com a cabeça nas nuvens realmente tem impressões negativas. Se foi isso, em vez de se incomodar, você pode até aproveitar isso como um ponto forte do Álvaro e deixar ele virar a mesa como quiser. Ele pode te surpreender e trazer conflitos únicos pra essa estória. Em todo o caso, na própria continuação sob outro ponto de vista você já colocou em risco toda a simpatia do Eugeninho com o público que vem da PeR anyway. O que quero dizer é que, na real, é realmente importante deixar a coisa toda fluir. Às vezes o que mais incomoda a gente num personagem é o ponto forte dele dentro daquela estória, mas, como a gente, mesmo escritores, temos preferências por certos personagens ou personalidades, nem sempre a gente aceita bem essas "extravagências". Taí algo pra complementar seu afã com esses garotões.
Alguns pontos que eu quero levantar aqui, porém, é você ter dito que a estória é "imperfeita", "não interessante". Acho que isso é relativo. Afinal, mesmo que você tenha a maior parte do texto pronto, como você pode dizer que a estória é imperfeita sem ter nem terminado todo o processo (de escrita e revisão)? O problema não é a estória que é "imperfeita" em si mesma, é que você imaginou outra coisa que te empolgava mais, tinha expectativas que não conseguiu alcançar porque, por exemplo, o Álvaro como protagonista, aquele que vemos por dentro, não é o mesmo Álvaro que vemos por fora na PeR. Você não tem só que aceitar a estória como ela é, mas entender que ela está exigindo de você aceitar novos personagens, um novo clima, uma nova narrativa. Talvez essa estória seja incômoda por te tirar da zona de conforto de alguma forma? Hm.
ExcluirIsso porque eu sei que você, como eu, se pergunta "O que eu quero passar com essa estória? Quais os pontos fortes? O que posso fazer de diferente?", etc. Às vezes as respostas que encontramos são bem mornas, sabe? Mas isso signifca que o ponto forte da estória é que ela não traz emoções grandes demais, nem reflexões, nem nada. Ela pode ser só um momento da vida dos personagens onde não acontece nada grandioso, porque, afinal, a vida real é isso: A gente passa um mês inteiro sem ver acontecer nada de interessante, e depois anos sem nem ver nossos sonhos se realizarem (e podem se realizar nunca). Enfim, às vezes uma estória e um personagem só quer se mostrar, não quer passar nada. E mesmo assim pode ser gostoso de escrever e de ler. Eu tenho certeza de que eu teria gostado de Jeanne Dielman mesmo sem aquele final, porque eu já tava interessado em acompanhar a rotina dela desde o começo. Isso porque: quando a gente assiste um personagem fazendo coisas "normais", ou sem grandes emoções, enfim, a gente percebe coisas que a gente não percebe no nosso próprio dia a dia, e a gente começa a pensar, etc. Eu não sei como tá a sua estória, se ela é slice of life ou drama, mas imagino que observar isso agora também é válido, já que, pelo modo como você diz que a estória não é "interessante", pode ser que você esteja sentindo falta de dar alguma emoção/reflexão grandiosa a ela, e isso não é realmente necessário.
Enfim, acho que é válido, por isso, você também afastar essa ideia de que a estória é imperfeita e desinteressante. Deixa a estória falar por si. E como você mesmo disse, essa estória pode ser adotada como favorita de alguém. Com certeza vai ser. Sério, eu tenho coisas ruins de verdade que até são mais populares que as coisas pelas quais eu mais me esforcei. lol E digo "ruins" até por questão de escrita, enredos que não se emendam bem, personagens com comportamento de anime, etc. 8D
Força aí, gato. :D Cê sabe que qualquer coisa pode me cutucar pra gente trocar mensagens intelectuais de novo e de novo.
Perdão o textão²¹³¹²³¹²³¹²³¹² ♥ Beijinhos, xauxau