quarta-feira, 26 de junho de 2013

Vou comprar cigarro

"Eu te segurei forte contra mim
Você escorregou pelos meus braços
Você prometeu que voltaria para mim
E eu acreditei"

Não sei se foi mesmo. Talvez tenha ido a outro lugar, ou a lugar algum, mas o que sei decerto é que não voltou. Um “já volto” prosaico saiu de sua boca antes de sair por aquela porta e assassinar um pedaço de mim, por bem ou por mal, por querer ou não. Morreu. Ao contrário de você.

Ou será que você morreu? Não sei. Talvez tenha sido atropelado no cruzamento ali da esquina, ou então se perdeu do caminho de casa e caiu na areia movediça lá onde Judas perdeu as botas. Quando eu era criança, imaginava que, quando alguém caía na areia movediça, ia parar em outro mundo. Talvez isso tenha acontecido contigo: foi parar em outro mundo; talvez aquele mundo em que existíamos nós dois e nada mais, lembra? Aquele mundo em que éramos “felizes”, com aspas não tão literais quanto possam parecer. Acho que nosso ideal de felicidade era romântico demais.

Mas você disse que ia comprar cigarros. Sentado à mesa do café, lendo meu jornal com óculos que me pesam o cenho, fumando o mesmo cigarro que você costumava fumar quando ainda existia nesta casa que já não é mais um lar, eu espero que você volte com qualquer desculpa esfarrapada

— No bar do Zé tinha acabado, precisei ir buscar lá no outro lado do universo, por isso demorei.

e que eu sorria um sorriso de canto e procure alguma verdade em seus olhos; e que eu tente e consiga dar conta do que perdemos durante a sua viagem; e que eu não desperdice mais nenhuma manhã cinzenta de domingo escrevendo linhas tortas sobre a sua ausência.


Talvez agora eu entenda melhor as famílias das vítimas da ditadura. Talvez a mão da Morte seja mais cortês do que a da Dúvida na hora de tocar-me o ombro amigavelmente.

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